São Paulo tem o menor número de nascimentos em décadas, apesar da febre dos bebês reborn
Dados de 2023 mostram queda histórica, enquanto cresce o número de mulheres que adotam bonecos hiper-realistas como companhia emocional
Apesar do aumento da procura por bonecas hiper-realistas conhecidas como bebês reborn, o número de nascimentos no Estado de São Paulo continua em queda acentuada. Em 2023, ano da medição mais recente feita pelo IBGE, o estado registrou 551.682 nascimentos, o menor número em décadas e uma redução de 1,5% em relação a 2022. O cenário acompanha a tendência nacional, que teve 2,52 milhões de nascidos vivos, a menor marca desde 1976.
A pesquisa Estatísticas do Registro Civil 2023, divulgada pelo IBGE com base nos dados de cartórios, mostra que este é o quinto ano consecutivo de queda tanto em São Paulo quanto no Brasil. A diferença é ainda mais significativa se comparada à média do período pré-pandemia (2015 a 2019), que era de cerca de 610 mil nascimentos por ano em São Paulo — uma queda de quase 10% no estado. No Brasil, a redução chega a 12%.
Embora o total de registros chegue a 2,6 milhões no país, o IBGE aponta que cerca de 75 mil desses são de crianças nascidas em anos anteriores, mas registradas apenas em 2023. Isso reforça que o número de nascimentos efetivos foi ainda menor.
O dado contrasta com uma curiosa realidade: enquanto as maternidades estão mais vazias, as redes sociais, feiras e lojas especializadas registram alta na busca por bebês reborn — bonecos artesanais feitos para parecerem bebês de verdade, com cabelos implantados, roupas de recém-nascido e até cheirinho de talco. Muitas mulheres — inclusive as que já passaram da idade fértil — adotam esses bonecos como forma de suprir o desejo de maternidade, lidar com o luto ou apenas por afeto e companhia emocional.
Mulheres estão adiando a maternidade real
Segundo a gerente da pesquisa, Klivia Brayner, a queda nos nascimentos se deve a diversos fatores: o alto custo para criar filhos, maior acesso a métodos contraceptivos e mudanças de prioridade entre as mulheres, que optam por estudar, trabalhar e adiar a maternidade. “Você adia, adia, e quando percebe, tem menos tempo para ter filhos — e menos filhos também”, explica.
A pesquisadora do IBGE, Cintia Agostinho, reforça que esse não é um fenômeno isolado do Brasil. “Países desenvolvidos e em desenvolvimento estão vivendo essa mesma realidade.”
Em São Paulo, a mudança é clara: 44,3% das mães em 2023 tinham 30 anos ou mais. Em 2003, essa faixa representava apenas 23,9%. Já o percentual de mães adolescentes (até 19 anos) caiu de 20,9% em 2003 para apenas 9,8% em 2023 no estado. O contraste é evidente quando comparado a estados do Norte, como o Acre, onde mais de 21% dos nascidos são filhos de mães adolescentes.
Contradição simbólica: menos crianças reais, mais bonecos no berço
A queda na natalidade e o avanço da idade das mães convivem com um fenômeno simbólico: o aumento da presença dos bebês reborn na vida de muitas brasileiras. Longe de ser apenas um brinquedo, esses bonecos representam, para muitas mulheres, um substituto emocional diante da decisão — ou da impossibilidade — de ter filhos biológicos.
Especialistas apontam que, além do aspecto estético, o reborn funciona como válvula de escape emocional diante de traumas, perdas e pressões sociais. E, ironicamente, esse tipo de “maternidade simbólica” cresce justamente quando o número de nascimentos reais chega ao menor patamar em quase 50 anos.
Enquanto isso, os dados oficiais do IBGE, divulgados em fevereiro de 2024, deixam um aviso claro: o Brasil está encolhendo no berçário — mas crescendo no mundo dos bonecos realistas.
