Shein, Shopee, Shibata? Ou moradores de rua? O que afeta o comércio de Cruzeiro?
Em meados de 2016, muitos diziam a nós do Jornal A Notícia que o jornal impresso estava com os dias contados. A popularização da internet e o avanço dos meios digitais decretariam o fim da era do papel. O impresso acabou? Não. Mas, como tudo, precisou se reinventar. E você, leitor, que agora acompanha esta reportagem em primeira mão pela nossa versão online, é a prova disso.
A mesma lógica se aplica ao comércio. As vitrines não desapareceram, mas passaram a disputar atenção com as telas. O consumidor ganhou novas opções, e gigantes como Shein, Shopee, Mercado Livre — com preços acessíveis, condições de pagamento atraentes e uma variedade de produtos quase infinita — entraram na rotina do brasileiro. O mundo cabe agora em um clique. E o comerciante local, como fica nessa história?
Essa foi uma das provocações que marcaram a sessão da Câmara de Cruzeiro, no último 7 de abril, quando representantes do comércio local enquadraram os vereadores ao final da reunião, cobrando soluções. O tema? Os moradores de rua, andantes e pedintes, que, segundo os comerciantes, estariam afastando clientes do centro da cidade. Para eles, além da concorrência virtual e do crescimento do Shibata Mall, há um problema social que estaria comprometendo ainda mais o movimento nas lojas físicas.

A discussão é delicada. Em um cenário onde o comércio tenta sobreviver entre o avanço das plataformas digitais e o apelo de grandes redes, como o Burger King, prestes a inaugurar sua unidade em Cruzeiro, a presença cada vez mais visível de pessoas em situação de rua nas calçadas amplia as tensões. “Não se pode investir em uma rede de fora de alimentação e deixar o comerciante local de fora”, disparou um dos representantes, em clara alusão ao shopping recém-inaugurado que, apesar de fomentar empregos, dividiu o público consumidor.

Mas o desconforto não para por aí. Ainda este ano, uma comerciante usou as redes sociais para pedir que a população evitasse dar esmolas. Segundo ela, a prática incentivaria a permanência de pedintes nas ruas e prejudicaria o comércio local. O vídeo viralizou e recebeu, surpreendentemente, mais manifestações favoráveis do que críticas. Um sintoma claro de que a discussão sobre o impacto social na economia da cidade está longe de ser consensual — mas é latente.
Durante a conversa acalorada com os vereadores, assessores legislativos questionaram o que tornaria Cruzeiro tão atrativa para a população de rua. A resposta veio rápida e direta: “Isso não é um problema só de Cruzeiro, é um problema generalizado no país.” Uma questão que envolve falta de políticas públicas estruturadas, crise econômica, desemprego, saúde mental e uma série de outros fatores que ultrapassam as portas de qualquer comércio.
Diante de tamanha complexidade, ficou o compromisso de uma audiência pública para debater o tema. A promessa de que o assunto não ficará restrito a desabafos no plenário ou a vídeos virais, mas que poderá ser discutido com a seriedade que exige.
Enquanto isso, o comércio local segue pressionado de todos os lados: pela concorrência digital, pelos grandes empreendimentos, e pela dura realidade social que se manifesta nas ruas, à vista de todos. Falar em solução fácil seria ingênuo. O que se discute agora é o início de um processo, onde economia, assistência social, políticas públicas e cidadania terão que sentar à mesma mesa.
Porque o jornal impresso não acabou. O comércio físico também não. Mas ambos precisaram — e precisarão — se adaptar. A cidade, por sua vez, terá que decidir que tipo de convivência quer promover entre consumo, tradição e inclusão.